A polêmica
A versão portuguesa da revista Playboy causou grande polêmica após publicar ensaio em homenagem ao escritor José Saramago, que morreu no dia 18 de junho.
As fotos incluem a imagem de Jesus Cristo, representado por um modelo, ao lado de mulheres seminuas em poses provocantes. Segundo a revista, a ideia era recriar uma das obras mais importantes de Saramago, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, como um pornô leve.
A Playboy Enterprises, que controla os direitos da marca no mundo todo, anunciou em comunicado enviado à imprensa, que a filial de Portugal vai perder sua licença e terá que fechar as portas. A informação foi negada pela edição portuguesa, que prometeu colocar a edição de agosto nas bancas em breve.
O livro
O evangelho segundo Jesus Cristo conta a conhecida história de Jesus Cristo: do nascimento à morte. No entanto, como o próprio titulo sugere, é um evangelho que pretende contar a história do homem Jesus Cristo. O romance desacraliza o discurso judaico-cristão preenchendo as lacunas, próprias de um texto mítico, com a realidade humana. O texto se torna, assim, irônico, pois desconstrói o texto sagrado através do incremento de detalhes tipicamente humanos.²
Saramago, tomando a liberdade da criatividade que as palavras nos permitem, escreveu essa belíssima obra de ficção, contudo, parece ser possível darmos contornos de “realidade”, dependendo do ponto de vista do leitor. Em contrapartida, lembremo-nos de que para falar sobre a vida de Jesus, ou do personagem Jesus, perante uma cultura onde o cristianismo enquanto instituição se cristalizou há milênios, como bem sabemos, só é legitimada enquanto discurso reservado aos sacerdotes, em outras palavras, não se fala de Jesus Cristo enquanto “palavra da verdade” senão pela caduquice dos catedráticos da religião.
No meio religioso, vários tomaram a obra de Saramago sob a cegueira da fé, da ordem da Verdade e do sagrado, pariram uma interpretação mutilada e disforme, ou melhor, em forma com a moral cristã. É nesse sentido que parece ser o mais adequado compreendermos como foi a reação do público quando foi lançada a obra. Merece ainda ser tomado de nota, que a reação das massas não merece muito da nossa atenção senão a desconfiança.
Saramago apresenta-nos um Jesus humano como todos os outros, tão humano que nos admiração. Jesus é um homem que em sua época se destoa dos demais pela sua inteligência de questionar, ir além, seja de Deus ou do homem; a própria Maria, mãe de Jesus, não escapa da argúcia do filho, de tal modo que, devido aos conflitos entre eles, Jesus resolve partir sozinho em busca de suas respostas existenciais.
Eis que Deus aparece ao homem Jesus e lhe diz que é seu pai, eis então um Jesus mais repleto de questionamentos: que queres tu de mim? por que tem que ser assim? se tens tanto poder assim, por que queres tanto mal? – Não se surpreenda o leitor se perceber um Deus lacônico, um pai pouco interessado no filho.
Esse é só um ponto de partida de uma obra que tem a capacidade de nos fazer sentir dentro de todo o cenário cultural e social que envolvia a vida de Jesus Cristo, bem como suas dificuldades, seus anseios e suas dores. A riqueza dos detalhes com que Saramago consegue “mostrar” os cenários, os comportamentos, os personagens e toda atmosfera da época, pode fazer o leitor sentir os pregos rasgando as mãos e os calcanhares durante as crucificações. Ou o que sentirá os leitores, nos momentos iniciais da obra, quando Saramago narra os sacrifícios de bois, cordeiros e bezerros no Templo, local de oferenda de sangue ao Deus beberrão? Tanta crueza que Jesus se nega a fazer o que todos faziam.
Para além da ordem sagrada, cega em suas próprias verdades, Saramago nos mostra uma ficção, porém, muito além da ficção bíblica. Em “O evangelho segundo Jesus Cristo”, o homem Jesus Cristo é um personagem comum, por isso sentimo-nos que ali ele é “real”, em suas aventuras e dores pelo mundo de Jerusalém afora, trabalhará para o Diabo, desafiará Deus, tentará convencer a mãe de que aquilo que todos seguem não significa o derradeiro caminho, e o que diremos, dele Jesus, que conhecerá os prazeres da vida com a prostituta Magdala.
Por não ser real, a obra de Saramago torna mais real que a nefasta Bíblia.³

1 - Texto retirado de: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2966010.xml&template=3898.dwt&edition=15066§ion=1315.
2 - http://www.sitedeliteratura.com/Litestrang/evangelho2.htm
3 - http://www.eternoretorno.com/2008/10/31/o-evangelho-segundo-jesus-cristo-de-jose-saramago/